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Foto do escritorCarmona & Santos

A IMPENHORABILIDADE DO IMÓVEL BEM DE FAMÍLIA POR DÍVIDAS TRABALHISTAS

CONSIDERAÇÕES ACERCA DA LEI 8.009, DE 29 DE MARÇO DE 1990, NO ÂMBITO DA JUSTIÇA DO TRABALHO


A Família é o berço sagrado onde nascem as virtudes do indivíduo, longe dos embates cotidianos da vida em sociedade. É um lugar especialmente reservado para que cada pessoa possa voltar ao final do dia, recompor suas energias e encontrar paz.


A história ensina que as sociedades mais fortes sempre foram aquelas em que a família ocupou papel de destaque, como verdadeira célula social e principal fundamento de seu povo ou do Estado.


Assim conclui-se que a família, deve ser protegida. É necessário que a ciência do direito, que regulamenta a vida do ser humano, fortaleça cada vez mais a tutela da família, objetivando impedir que os reveses havidos fora do lar venham a atingir sua segurança, equilíbrio e harmonia.


Não obstante, para que isso ocorra, há que se submeter o indivíduo a certas obrigações, bem como, algumas abstenções, em benefício de seus semelhantes, da vida em sociedade e em última análise do próprio Estado.

Assim sendo não pode a proteção da entidade familiar ficar adstrita exclusivamente a seus integrantes, que podem falhar quanto a algum aspecto de interesse de ordem pessoal, privilegiando-o em detrimento de outro de caráter coletivo.

Compete portanto ao Estado, editar normas de ordem pública e zelar por seu cumprimento, para que estas regulem a matéria de proteção a família, afim de se evitar arbitrariedades e desordem social.

É o que ocorre no caso da Lei 8.009/90, que criou o instituto do bem de família legal, prolatada em nosso país com base no modelo texano/americano e, certamente imbuída pelo intuito do legislador de proteger as famílias e evitar que estas sejam desalojadas de seus lares, a mercê de sua própria sorte, sob o olhar indiferente do Estado.

Contudo, não bastou a iniciativa de se criar tal dispositivo legal, pois na prática, se verifica que a Lei 8.009/90 apresenta lacunas que por vezes impossibilitam sua aplicação direta, bem como, não raro, sua interpretação acaba adstrita ao crivo de admissibilidade cada julgador.

Assim conclui-se que:

1) Uma vez que o devedor não liquide a execução espontaneamente, a regra é a penhora de seus bens. No entanto, a Lei 8.009/90, impõe ao credor limites expropriatórios ao proteger o bem de família móvel ou imóvel, o que gera conflito na Justiça o Trabalho, entre o direito do credor de ter satisfeito seu crédito de ordem privilegiada (alimentício) e o direito do devedor de proteção a moradia previsto em nossa Constituição Federal.

2) Ao instituir a impenhorabilidade do bem de família do imóvel residencial destinado a moradia da família e dos bens móveis quitados, a Lei 8.009/90 denota sua finalidade de assegurar a sobrevivência digna do núcleo familiar em caso de inadimplemento econômico. Em ambas hipóteses, seja no bem de família legal ou no voluntário, o objetivo é sempre o mesmo: a proteção da moradia do devedor; a diferença entre um e outro, é sobre a instituição da norma. No caso de bem de família legal, trata-se de questão de ordem pública, que independe de formalidade ou manifestação de vontade da parte. Já no caso de bem de família voluntário, existem requisitos que devem ser formalizados para que se submeta o imóvel ao efeito protetivo previsto no Código Civil.

3) A aplicabilidade da Lei 8.009/90 na Justiça do Trabalho, esta prevista expressamente no texto legal da norma, portanto, não resta dúvida, que esse dispositivo pode (e deve!) ser invocado nas execuções trabalhistas, por defender norma de interesse coletivo criado pelo próprio Estado, o que supera os eventuais interesses de ordem econômica existentes entre as partes no processo.

4) A Lei tem por escopo a proteção da dignidade da entidade familiar, não do bem móvel ou imóvel em si, assim sendo, não importa se o devedor reside efetivamente no local, desde que a família assim o faça. Além disso, é possível a locação do imóvel, uma vez comprovado motivo relevante; a inexistência de fraude a execução; e o comprometimento do valor da locação do bem de família, integralmente para pagamento do aluguel do devedor. Dessa forma, se mantém inalterada a proteção de impenhorabilidade. Também são penhoráveis as partes divisíveis do imóvel, desde que não prejudiquem a moradia do devedor e sua família. É o caso por exemplo, da vaga de garagem que têm matricula independente do imóvel principal.

5) Os bens móveis também são impenhoráveis em parte. Justamente por isso, deverá existir um crivo de análise apurado do julgador, sobre a essencialidade de cada bem, de acordo com a utilidade em questão. Bens móveis de transporte, como por exemplo, barco, carroça, charrete, entre outros, podem ser indispensáveis para a manutenção e subsistência digna de uma família, ao passo que, um aparelho de televisão pode ter características de extrema suntuosidade e superfluidade, muito além do objetivo protetivo da Lei. Além disso, os bens móveis se revestem de importante aspecto a ser considerado em caso de penhora, que é com relação ao seu estado de conservação e valor de avaliação, pois existem casos em que a expectativa de arrecadação em hasta, torna a penhora simplesmente inútil.

6) De forma geral o ordenamento jurídico está atrelado a Princípios e Fundamentos éticos e morais de cada sociedade. Assim sendo, pressupõe-se que a regra seja pagar e cumprir as leis. No entanto, o que se observa em nossa sociedade é uma inversão de valores, ao par que uma Lei de origem nobre como a Lei 8.009/90, não raro possa ser manipulada de forma fraudulenta por maus pagadores.

O principal fundamento da ordem social é o cumprimento dos compromissos assumidos por cada indivíduo, pois cada um deve arcar com as consequências de seus próprios atos e escolhas. O sentido de ser responsável e de submeter-se a alguma obrigação auto imposta, deveria ser parte integrante da consciência de cada um, independentemente da existência de uma legislação regulamentadora, pois as relações obrigacionais do ser humano se confundem com a própria história do homem na face da terra, desde os tempos mais tenros de intercâmbio, mercantilismo e escambo.

No entanto, o que se verifica é que não são todos os indivíduos que preservam esses conceitos de honestidade e moralidade integrados em suas relações jurídicas e sócias. Nos dias de hoje, em que o consumismo exacerbado reina juntamente com a ausência de valores, cada vez é maior o número de pessoas que fazem todo possível para manter suas aquisições materiais e simplesmente se esquivar de suas obrigações, ainda que estas sejam de ordem trabalhista.

Ao contrário de alguns países em que o procedimento de execução praticamente não existe, por absoluta desnecessidade, em vista de cada cidadão cumprir com sua obrigação; ou seja, se há dívida, há pagamento; no Brasil a situação é inversa, pois os processos se arrastam por anos em execução e não raro, são arquivados sem serem satisfeitos.

A importância da situação se agrava se se considerar que o crédito trabalhista tem natureza alimentar, é privilegiadíssimo em face de outros tipos de crédito e mesmo assim, não há garantia de que um dia este será satisfeito.

Nesse contexto de ordem prática bastante desfavorável ao trabalhador, a Lei 8.009/90, que deveria servir de alento, pode representar uma ameaça a dignidade do credor, pois o devedor que possui um imóvel residencial não poderá ser expropriado de seu bem.

O fato da Lei não definir um montante máximo para a impenhorabilidade do bem de família, possibilita que esta passe a tutelar o próprio imóvel em si e, não a dignidade da família do devedor. Isto porque, principalmente nas grandes capitais onde o valor dos imóveis está supervalorizado, é comum a penhora de um bem imóvel de alguns milhões de reais. Neste caso, por conseguinte, caberá ao executado a defesa de seu patrimônio através da alegação de se tratar de um bem de família impenhorável. Como a Lei não estabelece valor, é muito provável que devedor consiga cancelar a penhora e o credor não consiga lograr êxito quanto a satisfação de seu credito.

Obviamente é justo que a Lei cumpra com seu objetivo nato, no entanto, a inexistência de um patamar máximo de proteção abarcado no texto legal, permite que o devedor resida em um palácio e, este imóvel suntuoso em vista de possuir natureza de bem de família, não será penhorado.

Em contrapartida o credor, que geralmente é trabalhador e pobre na concepção da palavra, permanece na miséria e a mercê dos programas sociais do governo.

Conclui-se portanto, que o calcanhar de Aquiles da Lei 8.009/90 na Justiça do Trabalho é o conflito de norma entre o direito ao crédito privilegiado de um lado e o direito a moradia do outro.

Assim sendo, urge que se apresente um projeto de Lei que regulamente a Lei 8.009/90 e a torne mais equilibrada, pois ao impor um limite jurídico razoável quanto a impenhorabilidade do bem de família, se reduzirá consideravelmente o abrigo à má-fé, a articulação maliciosa e a fraude a execução.

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